Neurose ou Psicose
Resumo:Iniciaremos a descrição e estudo de um dado
caso clínico, com o objetivo de promover uma tentativa de compreensão teórica
acerca da possibilidade de existência de um comprometimento neurológico,
associado a quadro psicopatológico. E além disso, favorecer a análise do
discurso do sujeito, modo de resposta profundamente peculiar, encontrado pelo
mesmo para lidar com suas questões.
Unitermos: Discurso do brincar, sintoma, inibição, alterações
funcionais, transferência, diagnóstico, desejo, angústia, simbolização, romance
familiar.
I- História Pessoal
Trata-se
de uma criança, a que denominaremos Pedro, oito anos de idade que chega à
clínica em 2003, encaminhado pela escola com a seguinte queixa: excessivo grau
de ansiedade, rejeição à escrita e ao aprendizado formal, muito embora tenha
aprendido a ler sozinho e revele facilidade frente às atividades verbais, algo
que gosta de demonstrar. Tal queixa já evidenciando a dificuldade de manejo da
criança no ambiente escolar.
Revelando
dificuldade em concretizar as atividades iniciadas e desinteresse até mesmo por
atividades lúdicas como colorir, pintar, recortar e brincar. Apresentando
também dificuldade para alimentar-se (uso de vitaminas) e alergia. Evidenciou
dificuldade na adaptação escolar, época em que surgiu alergia e sinusite (tendo
sua mãe lhe retirado da escola visando reduzir o conflito).
É
importante considerar que o quadro de ansiedade foi percebido precocemente,
quando a criança estava com um ou dois anos.
Sobre sua história de vida, sabe-se que sua
mãe casou-se grávida dele, tendo a gravidez transcorrido sem intercorrências. A
criança foi amamentada por um mês e meio, época em que o leite secou. Fez uso
de mamadeira e bico até um ano, tendo largado sozinho. Apresentou dificuldade
de adaptar-se ao sal, o que se mantém até hoje. Proveniente de família
católica. A criança, sua irmã de quatro anos e seus pais residem com os avós
maternos. Extremamente apegado aos avós, dormindo até pouco tempo entre eles.
Mãe do paciente não trabalha fora, vive para os filhos, segundo ela mesma. Pai
da criança é comerciário, bastante ausente, tendo o avô, de certo modo,
assumido a função paterna, sendo importante figura de vinculação para a
criança. O avô trabalha com representação de cola e sabe-se que a família não
possui facilidade financeira.
II- Avaliação Psicodiagnóstica e
Neuropsicológica
Segundo
os relatórios, realizados na clínica, a criança revela bom potencial de
inteligência (melhor desempenho das funções verbais), porém prejuízo das
funções executivas. Dificuldade em sustentar a atenção em apenas um estímulo, o
que acarreta no comportamento bastante disperso. Sugere comprometimento da
memória recente, sendo mais fácil recuperar dados da memória retrógrada.
Avaliado através do Wisc III, a criança evidencia possibilidade de existência
de comprometimento nas áreas de associação parieto-têmporo-occipital do
hemisfério cerebral direito, já que é capaz de ter o reconhecimento semântico,
mas dificuldade relativa à interpretação e processamento sintático. As funções
visio-espaciais, visio-construtivas, análise e síntese, raciocínio numérico,
escrita e cognição social encontram-se especialmente comprometidas, funções
atribuídas às regiões parieto-têmporo-occipital do hemisfério direito e
esquerdo.
Prejuízos
relativos à atenção seletiva, a flexibilidade cognitiva, controle inibitório,
função motora, sequenciamento lógico, organização do pensamento, memória
operacional e perseverações sugerem danos nas regiões do córtex pré-frontal e
frontal.
Apresenta
dominância manual direita e hemisfério dominante esquerdo, aquele relacionado à
linguagem. Avaliando de modo global, a criança evidencia alterações funcionais
significativas, tanto atribuíveis ao hemisfério direito, quanto ao hemisfério
esquerdo. Além disso, pode-se levantar como hipótese a existência de falha na
associação entre ambos os hemisférios, algo a nível do corpo caloso. Importante
considerar que, após essa avaliação, a criança foi encaminhada à Neurologia,
sem sucesso, uma vez que sua mãe não se dispôs a isso. No entanto, para a
realização de um diagnóstico funcional preciso seria fundamental que a criança
se submetesse a uma ressonância magnética ou Spect Cerebral.
III- Atendimento Terapêutico
A criança encontra-se em atendimento com a
terapeuta desde Set/04 sendo possível perceber agitação, dificuldade de
interação com outras crianças, falas repetitivas (fala uma frase e logo mais a
repete- verbigeração), ansiedade, movimentos de rotação dos membros superiores
e cochichos sussurrados, sem a presença de interlocutor e sem propósito aparente,
e que ao serem abordados (questionados) são interrompidos ou negados pelo
paciente, retornado este para a brincadeira do grupo, porém de modo
superficial.
Revela
um discurso com conteúdo de grandeza (
"Tenho um milhão de brinquedos,
brinco com todos eles" -sic), pouca espontaneidade no brincar,
incômodo com ruídos ocorridos fora da sala, que lhe chamam a atenção (Pr. corre
sempre para a janela para ver o que está acontecendo). Além disso, mostra-se
bastante estabanado ao movimentar-se e ao manusear os objetos. A criança
encontra-se também em atendimento de Psicomotricidade, atualmente avaliada para
possível transferência para o setor de Terapia Ocupacional.
Em
discussão clínica com a equipe responsável pelo atendimento de Pedro, optamos
pela realização de avaliação pedagógica no intuito de inseri-lo também no
setor, complementando o plano de reabilitação, dado o quadro descrito.
Inicialmente a criança foi atendida em
grupo, período em que, aproximava-se de diferentes crianças, demonstrando
interesse em participar de diversas atividades como desenho livre, jogos de
conhecimento, brincadeiras como fazenda ou casinha, entre outras. No entanto,
revelava já dificuldade em ater-se a qualquer uma das atividades escolhidas por
ele mesmo, pulando de um grupo a outro ou buscando a atenção da terapeuta, à
qual dirigia perguntas transferenciais ou verbalizava sobre seus
"ganhos" ("Tenho três bicicletas, ganhei X jogos"-sic,
etc) ou questionava sobre os ganhos da
terapeuta.
Considerando o quadro clínico atual,
tentou-se a mudança da criança para o atendimento individual, no qual
permaneceu algumas semanas. Neste evidencia intensa dificuldade em aderir ao
setting terapêutico com a questão do tempo, questionando variadas vezes ao
longo das sessões as horas e quanto tempo falta para acabar a sessão, além de
intensa ansiedade.
Tendo
em vista a possibilidade de sério comprometimento neurológico, que podemos
levantar como uma justificativa parcial para as suas limitações, torna-se
fundamental insistir no contato com os pais da criança, visando conseguir a
avaliação neurológica necessária.
Para
assim, contando com o recurso da plasticidade cerebral possuirmos mais
elementos que contribuam para a sua reabilitação.
No
entanto, a abordagem psicanalítica nos convida à escuta desse sujeito que,
ainda que possua limitações neurológicas, constrói um discurso para lidar com
suas questões. Imprescindível é a realização de diagnóstico diferencial para a
condução clínica de Pedro. Este deverá ser buscado no registro simbólico,
onde são articuladas
as questões fundamentais
do sujeito (sobre o sexo, a morte, a procriação, a paternidade) quando da
travessia do Complexo de Édipo: a inscrição do Nome-do-Pai no Outro da
linguagem tem por efeito a produção da significação fálica, permitindo ao
sujeito inscrever-se na partilha dos sexos.
Nesse
sentido, iniciaremos a análise do discurso de Pedro, visando investigar a forma
eleita pelo mesmo para lidar com a castração. Para tanto, fundamental se torna
mergulharmos no universo infantil com suas brincadeiras e fantasias.
Paciente
demonstra afeição pelo personagem do Batman, a quem se refere como seu
personagem preferido, gosta de assistir a filmes e desenhos de super-heróis e
geralmente verbaliza sobre a cena que lhe chama atenção, imitando-a
corporalmente, mas evidencia dificuldade em relatar os acontecimentos de modo
global, a história do filme, fixando-se em um fato ou cena. Interessante seria
observar atentamente qual a cena que reproduz , ou seja, em que ponto
encontra-se fixado.
Ao brincar, utiliza nomes diferentes e
difíceis para seus personagens (sugerindo interferência da linguagem dos
adultos ou mesmo da mídia), mas suas brincadeiras são pouco espontâneas e a
criança perde o interesse com facilidade. Elemento diagnóstico diferencial
importante é sabermos se o paciente inventa nomes (neologismos), o que seria
claramente indicativo de psicose, ou se os copia, sendo, a imitação, sugestiva
do processo de identificação. Neste caso é importante localizar se trata-se de
uma identificação puramente imaginária, i (a),
típica da psicose ou se esta identificação imaginária, i(a), se atrela a
identificação simbólica ao Outro, I (A), herdeira do Complexo de Édipo, o que
fala a favor da estrutura neurótica. A segunda opção parece estar mais de
acordo com o paciente.
No que
se refere à função paterna, interessa saber se esta foi transmitida. Sabemos
que tal função é transmitida pela palavra da mãe, que é responsável em inserir
o pai na relação mãe-filho. Porém, entre
o que a mãe transmite e o que a criança capta pode haver grande distância. No
caso de Pedro, o que se observou através dos atendimentos é que este busca na
cultura e na mídia elementos da função paterna, com os quais se identificar. Ou
seja, podemos pensar que de algum modo esta
função opera a partir da cultura, ainda que a figura do pai tenha
falhado. Aqui os personagens como o Batman, o Shrek, o Airton Sena e mesmo seu
pai “ausente” ou seu avô dividem tal função. Interessante, no entanto, que
elege o personagem Batman, como preferido, sendo que este é imortal, ou seja,
podemos pensar que este é o pai que retorna.
Neste
sentido, podemos começar a levantar alguns elementos para pensarmos em seu
diagnóstico. Na neurose, temos o pai simbólico, ou seja, o pai morto, mas que
retorna, enquanto simbólico. Pedro desenha, certa vez, o Batman, e escreve: “Batman-o
homem morcego das trevas”, ou seja, o personagem sugere ser o homem, que ao
mesmo tempo que é imortal se presentifica nas trevas. E dentre os competidores
de Fórmula 1, elege aquele que morreu tragicamente como seu ídolo. Menciona o
Airton Sena, relatando: “É o amor da minha vida” (sic). Isso nos permite
pensar que a figura do Airton Sena faz também uma suplência à figura do pai,
que é vivido como ausente, na medida em que o amor é a ele endereçado, ou seja,
ama o pai na figura do Airton Sena.
Paciente
cita diferentes linhas de ônibus, bairros, relata querer mudar-se para o bairro
da clínica, mas que sua mãe não quer por ser muito perigoso. Presta atenção na
favela, próxima da clínica, e verbaliza temer que assassinem seu pai.
Evidencia, portanto, noção de perigo, presta “atenção” à favela. O temor do
assassinato do pai, pode desvelar um pequeno Édipo, ou seja, o desejo
inconsciente de morte desse pai. Pedro nos sugere, portanto, que adora um
Mestre, no entanto, para poder morrer.
Em uma
determinada sessão, paciente relata ser o aniversário de sua mãe. Com alguma
dificuldade, faz um desenho o representando e o colore com pouco cuidado. Não
se inclui no aniversário e nem mesmo a irmã. Relata que não poderá participar,
porque tem de fazer dever. Inicialmente relata que iria entregá-lo à sua mãe,
mas acaba deixando com a terapeuta. Com isso, podemos observar então que a
criança revela que não há lugar para ela na vida dessa mãe, uma vez que o
aniversário é uma data de vida. Não há lugar para ele em seu desejo. Acaba
colocando, através da transferência, a terapeuta no lugar de mãe, entregando
para esta seu desenho.
As
entrevistas realizadas com sua mãe incomodaram intensamente a criança, que
batia na porta, com força, querendo entrar. Em um outro momento, o levantamento
da possibilidade, junto à criança, de comunicação da terapeuta com sua mãe
provocaram nela grande receio, tendo sido motivo para que se retirasse da
sessão, convidando a mãe a ir embora, com grande urgência. Tal situação
evidencia o desejo da criança, de entrar aonde a sua mãe está, no entanto,
sendo o cerne da questão, causa grande angústia ao ser tocado.
A
criança parece profundamente abandonada por seu casal de pais, no entanto,
encontra interessante saída, uma vez que busca na cultura às funções, das quais
se acha carente. Em seu romance familiar, sua mãe falta e seu pai não parece
ter sido suficiente para a transmissão da função paterna. Daí o apego de Pedro
ao poder dos super-heróis, ou seja, ao falo. Chega às sessões pedindo à
terapeuta que anote o nome dos personagens de filmes de super-heróis tais como
“Power Rangers”, “Liga da Justiça- Paraíso Perdido”, “Os Cavaleiros do
Zodíaco”, aos quais assistiu e seus poderes. Questionado como era a história
dos filmes, paciente encena determinada situação de luta, mas evidencia
dificuldade em subjetivá-la, apenas a encena e descreve, restritamente.
Segundo
KAPLAN & SADOC (1999), avaliando a criança dentro dos parâmetros da
psicopatologia infantil sabe-se que esta se apresenta clinicamente
significativa quando há existência de transtorno em uma ou mais das seguintes áreas:
comportamento manifesto, estados emocionais, relacionamentos interpessoais e
função cognitiva. As anormalidades devem ter duração e gravidade suficiente
para causarem prejuízo funcional nas áreas escolar (rendimento e comportamento
na escola), relacionamentos interpessoais, uso do tempo livre e desenvolvimento
de um senso de self e identidade.
Desse
modo, o quadro clínico de Pedro nos sugere a presença de prejuízos na área
escolar, o que justificou o encaminhamento do mesmo para realização de avaliação,
dado o quadro de intensa ansiedade, agitação, dificuldade de atenção e baixo
rendimento, observados no ambiente escolar e busca da família pela escolaridade
especial e atendimento clínico especializado, que nos apontam para a existência
do incômodo da família com os sintomas da criança.
No que
se refere à habilidade da criança em estabelecer laços sociais observa-se
dificuldade da mesma em voltar-se aos demais para o compartilhamento de
interesses. Mantém-se ainda apegado aos próprios interesses, o que dificulta em
alguns momentos a aceitação do enquadre terapêutico, principalmente no que se
refere ao tempo.
Parece
que a criança também se interroga sobre sua estrutura, uma vez, que o
significante “doido”, “doente mental”, surge em seu mundo fantasmático, dado as
constantes avaliações e atendimentos em uma clínica de saúde mental, ao qual se
acha submetido. Se identifica como louco e ao mesmo tempo se interroga disso: “Eu
não sou doente mental!” (sic)
Relevante
se torna considerarmos que crianças com transtornos e incapacidades
neurológicas encontram-se inseridos no grupo de risco para psicopatologia em
geral. Sabe-se também que variados fatores ambientais familiares, tais como
estilos de criação, interação familiar, têm sido associados com diferentes
tipos de psicopatologia e que, portanto, pedem intervenções terapêuticas
específicas, tal como o manejo da família, tentando evitar o reforço ao
comportamento da criança.
Pensando na constelação familiar de Pedro, bem
como na sua forma de organização, pode-se levantar a hipótese de que há uma
questão com o aspecto da separação, uma vez que permanecem inseridos no
contexto da família nuclear materna, o que prejudica na questão da referência
familiar. A mãe da criança, por sua vez, se apresenta apenas enquanto mãe, não
desenvolvendo outras atividades, ou seja, não faltando à criança. Não faltando
à criança, torna-se mais difícil à entrada do pai.
Transtornos
emocionais podem ser expressos na forma de relacionamentos ausentes ou
desviantes com o grupo de iguais. No presente caso, é possível observar clara
dificuldade do paciente em interagir com o seu grupo de iguais. Há constantes
tentativas da criança de aproximação, no entanto, o predomínio de fantasias,
bem como o descuido com os interesses do outro, prejudicam o compartilhamento
de interesses. No entanto, é possível observar que a criança faz laço social,
encontra-se inserida na linguagem. Freud (1917), nos afirma:
“Na
atividade da fantasia, os seres humanos continuam a gozar da sensação de serem
livres da compulsão externa, à qual há muito tempo renunciaram, na realidade.
Idearam uma forma de alternar entre permanecer um animal que busca o prazer, e
ser, igualmente uma criatura dotada de razão. Na verdade os homens não podem
subsistir com a escassa satisfação que podem obter da realidade”.
Em uma
dada sessão, paciente nos explicita isso claramente. Solicita o Jogo de Botão e
escala os jogadores, localizando o número e o nome dos mesmos, fazendo menção
aos anos de 1970 e 1984. (escala corretamente os jogadores dessas épocas) Joga
com grande entusiasmo e “atenção
”,
comemorando, inclusive, seus gols. Interessante que fazia movimentos rotatórios
com os membros superiores, parecidos com àqueles até então considerados sem
propósito aparente, ou seja, surgem agora com algum significado, no caso, de
comemoração. Nesta direção, podemos considerar que há distinção entre a
realidade interna e o mundo externo, paciente demonstra capacidade em
diferenciar o “Eu” do “outro”, ao escalar os jogadores e os localizar no tempo.
Apesar
disso, são evidentes os amplos prejuízos funcionais da criança, no entanto, é
fundamental que tentemos lançar um olhar diferenciado para o sintoma, uma vez
que sabemos que ele pode representar uma construção simbólica, um modo muito
particular de resposta aos ideais das potências tutelares do amor, ou
seja, daqueles que produzem a criança, antes mesmo de sua concepção, seus
genitores, ou mesmo aqueles, os quais elege. Tais questões nos incitam a pensar
nos modos de resposta da criança a essa encruzilhada que lhe é imposta por sua
condição- responder ao ideal e manter-se na alienação ou na afânise ou fazer
furos neste ideal, mantendo sua condição de sujeito.
Pedro
parece evidenciar relação ao desejo do Outro ao solicitar a sua mãe que não
conte ao avô que não adaptou-se ao atendimento individual, retornando para o
atendimento de grupo. O que nos sugere
que se, por um lado, preocupa-se em atender as demandas do avô, por outro
insiste em sustentar sua posição, seu incômodo produzido pelo atendimento
individual, que parecia estar se configurando como invasivo, ameaçador. Não
ficou clara, no entanto, a questão, uma vez que, adere ao atendimento individual
por algum tempo (apesar da ansiedade prevalente) e, posteriormente recusa o
corte com os “colegas” (sic). Isso
ocorre quando transferido para atendimento de grupo foi tentada nova mudança
para o atendimento individual. Talvez possamos pensar que, a mudança, o novo, o
corte, ou seja, a transmissão do corte da castração tenham se evidenciado com a
presente situação.
Paciente
responde a tentativa de mudança com grande angústia. Vai até a sala abraçado
com sua mãe, chorando, relatando querer continuar com seus “melhores amigos”
(sic), recusando, inclusive, o atendimento daquela semana. A mãe da criança
mostra-se incomodada e ao mesmo tempo surpresa com a reação da criança, no
entanto, relata que a mudança é sempre difícil para ele.
Dois
aspectos podem também ser levantados com a questão do atendimento individual
estar se configurando como ameaçador. Primeiramente pode-se pensar que ficar
sozinho com a terapeuta equivale a ficar sozinho com a mãe, o que reativa suas
fantasias inconscientes de desejos edípicos. E além disso, a insistência de
Pedro pelo atendimento de grupo nos sugere a capacidade do mesmo em desenvolver
laço social, uma vez que se apega aos coleguinhas. Referindo-se à neurose,
Freud (1917) nos esclarece: “As fantasias possuem realidade psíquica, em
contraste com a realidade material, e gradualmente aprendemos a entender que,
no mundo das neuroses, a realidade psíquica é a realidade decisiva”.
O que
se observa é que Pedro realmente se vê confrontado com o Ideal do Eu, que
inclui a figura do seu avô, em especial, mas também de todos aqueles que
depositam expectativas na criança. Mas, por outro lado, paciente demonstra
estar mantendo sua posição de sujeito, muito embora esteja pagando um preço
muito alto. Ser sujeito aqui equivale a ser “doido” na família.
Podemos
pensar que, diante da angústia de castração a criança responde com a inibição e
o sintoma. Pedro reconhece as palavras, ou seja, está inserido na linguagem,
mas a inibição do pensamento, somada ao sintoma: “Não posso aprender”
impedem o deslizamento significante, os processos de metáfora e metonímia,
comuns na estrutura neurótica, o que nos levou à dúvida diagnóstica, ao
levantamento da possibilidade de uma psicose. Ou seja, da “loucura”,
interrogação, feita pelo próprio paciente. Freud (1917), assim define o
sintoma:
“(...) os sintomas
psíquicos (ou psicogênicos) e de doença psíquica são atos prejudiciais, ou,
pelo menos, inúteis à vida da pessoa, que por vez, deles se queixa como sendo
indesejados e causadores de desprazer ou sofrimento; podendo resultar em
extraordinário empobrecimento da pessoa no que se refere à energia mental que
lhe permanece disponível e, com isso, na paralisação da pessoa para todas as
tarefas importantes da vida”.
Sabe-se
que pensando na saúde da criança espera-se que ela possa fazer sempre “bons
encontros”. Bons encontros com o real da castração. No entanto, o presente
estudo nos aponta a presença de trauma, sugerindo-nos que a transmissão da
castração foi desastrosa. Paciente inclui o corte da castração o tempo todo.
Não permanece nem em ato e nem em pensamento em coisa alguma, imprimindo o
corte em tudo o que faz. Podemos então pensar que há uma posição de gozo, que
insiste em aparecer. O questionamento constante que Pedro faz das horas durante
as sessões evidencia seu desejo de permanecer ali apenas um pouco,
reproduzindo, sua forma de resposta à castração.
Momento, portanto, oportuno ao uso do tempo lógico, favorecendo ao paciente se
haver com o seu modo de gozo, para daí extrairmos seu desejo. Segundo Freud
(1917):
“(...) as experiências infantis exigem uma
consideração especial. Elas determinam as mais importantes conseqüências,
porque ocorrem numa época de desenvolvimento incompleto e, por essa mesma
razão, são capazes de ter efeitos traumáticos”.
A
neurose da criança é uma construção, algo que se evidencia como resposta à
transmissão da castração. As fantasias inconscientes invadem o “eu” fazendo com
que se renuncie, pela via da inibição, a algumas funções. Freud (1976),
assinala que algumas inibições representam o abandono de uma função, porque sua
prática produziria ansiedade. Se pudermos tomar o prejuízo das funções
executivas de Pedro como uma inibição, teremos mais um argumento a favor da
neurose. Para Freud (1926), a inibição é a restrição normal de uma função.
Aspecto
essencial no atendimento à criança é a questão do brincar porque é um espaço no
qual se cria um mundo de fantasias, através do qual expressa-se a sua realidade
interna. A clínica se constitui a partir do discurso infantil que se faz
acompanhar pelo ato do brincar. Porém, fabulações ideativas, muito presentes,
neste contexto, podem dificultar o entendimento da verdadeira relação que a
criança mantém com o que ela diz, ou seja, se é capaz de perceber a separação
entre o mundo externo e a sua realidade psíquica, ou não. Esta é uma descoberta
fundamental para se firmar um diagnóstico. Freud (1924), nos esclarece: “(...)
a neurose não repudia a realidade, apenas a ignora; a psicose a repudia e tenta
substituí-la”.
Segundo WINNICOTT, citado por GEISSMANN
(1993:P.325):
“O
que distingue de uma atividade lúdica normal é a ausência de um começo e fim no
brinquedo, a importância do controle mágico, a ausência da organização do
material do brinquedo segundo um esquema, seja qual for, e o caráter incansável
que a criança revela nessa atividade”.
No presente caso, observa-se que
Pedro mantém, no ato do brincar, pouca espontaneidade e envolvimento. Mantém um
discurso de grandeza e apego aos poderes dos super-heróis. Mas se formos
observar, atentamente, os heróis escolhidos, veremos a presença de posições não
tão grandiosas, como é o caso do Shrek, que segundo Pedro estava na lama.
(Paciente em uma das sessões escreve: “Shrek tava lama”).
Questionado em seu discurso de
grandeza, paciente se constrange, mas na sessão seguinte evidencia ter sido
tocado, de algum modo, e traz já no início do atendimento uma resposta ao
questionamento da terapeuta: “O que você não tem?”, Relatou que não tem uma profissão. Sendo então pontuado
para a criança, a diferença desta para o mundo dos adultos.
Além da função de simbolização ou
representação que o brincar oferece à criança, visto que, existe uma
necessidade de elaboração mental das experiências vividas, podemos dizer que
algo da ordem do desejo imprime-se ao brincar infantil. Sendo o sujeito
psicótico excluído do processo que funda a lei e produz o desejo, podemos
pensar que o discurso do sujeito psicótico não é dele próprio, isto é, ele
mesmo não tem possibilidade de colocar-se na posição de sujeito do seu
discurso. Como conseqüência, tal sujeito não poderá de forma alguma assumir que
existe incoerência ou contradição em seu discurso, porque somente a passagem
pelo recalque, próprio dos neuróticos, o permitiria fazer.
A ambivalência, fenômeno
psicopatológico que pode apresentar-se nos quadros psicóticos, ilustra
perfeitamente a contradição do discurso psicótico, sem que o sujeito possa
reconhecê-la.
Posteriormente à ameaça do corte
entre a criança e os demais do grupo (pela tentativa de retorno para o
atendimento individual), houve um apaziguamento do paciente, sendo possível
perceber, inclusive, maior espontaneidade na sessão. Pedro brinca com uma
boneca, relata que está grávida, mas que fumou muito durante toda a gravidez,
inclusive na hora do parto. Encena o filho nascendo e verbaliza que este nasceu
morto. Repete a cena, várias vezes, até o “final feliz” (sic), quando a criança sobrevive. Questionado se a mãe
queria ter a criança, paciente relata que sim.
Em seguida repete a estória através
de um desenho. Desenha a mulher grávida, sangue e o filho (Relata que a mulher
estava grávida, saiu sangue e o filho morreu. Em seguida relata que o menino
nasceu). Questionado sobre o desenho, relata não ser nada (parecendo não querer
falar à respeito) e desenha um cometa e uma bola. Questionado sobre a relação
entre os desenhos, responde que o menino chutou a bola no telhado e que lá no
céu havia um cometa. Sendo que tal relação aparenta ter sido realizada devido à
sugestão da terapeuta. A negação da criança em falar mais sobre o assunto nos
aponta a posição neurótica de nada querer saber sobre as questões referentes ao
desejo, uma vez que se encontram sob a barra do recalque, no entanto, retornam
através das fantasias inconscientes. E a transferência aparece sob a forma de
resistência, a partir dos questionamentos constantes sobre a terapeuta.
A sessão descrita pode nos conduzir
a pensar que há capacidade da criança em simbolizar. Há presença da divisão do
sujeito, não ficando claro ainda qual a relação que Pedro estabelece entre o
dito, que vem do campo do Outro, através do significante “Doido”, que o
determina e o seu dizer, uma vez que censura suas produções.
Interessante também observar que
houve considerável redução de falas repetitivas, movimentos, aparentemente sem
propósito e do comportamento disperso (que nos chamava a atenção). Paciente
demonstrou nas últimas sessões maior capacidade para interagir com outras
crianças e menor preocupação com o término da sessão. Tais aspectos podendo ser
indicativos de que a criança possui habilidades, talvez inibidas.
No caso de Pedro existiam elementos
que nos apontavam para a hipótese de uma psicose uma vez que há grande prejuízo
na capacidade de subjetivação e seu discurso parecia guardar grande influência
do discurso do Outro (Outro Mídia, Outro avô), sugerindo que paciente não se
apropriava do seu dizer. Mas, o que pôde se observar com o decorrer dos
atendimentos foi uma confusão entre o dito e o dizer, ou seja, entre àquilo que
vêm do campo do Outro e aquilo que pertence ao sujeito. Além disso, a evolução do tratamento teve
efeitos no comportamento de Pedro que aliados à redução dos sintomas, observados
em alguns momentos, nos sugere a presença real de inibição, o que é comum na
estrutura neurótica.
Nesse caso, a clínica se configura abrindo
possibilidade ao paciente de deslocar seus sintomas, encontrando formas mais
sadias, que produzam menos limitações à sua vida. A posição do sujeito frente
ao modo de satisfação pulsional (posição do sujeito frente ao gozo do Outro)
nos oferta pistas para o estabelecimento de um diagnóstico que vai além da
estrutura clínica para atingir o tipo clínico.
A cena do nascimento proposta pela
criança através do lúdico nos aponta o encontro de Pedro com o real do parto.
Paciente repete a cena traumática e nos aponta sua divisão questionando se está
vivo ou morto no desejo do Outro. Ao reencontrar-se com a castração, através da
brincadeira, ressignifica a experiência, no entanto, relança seu desejo
(através do “final feliz”, no
qual a criança sobrevive). O que significa que, em detrimento da suposta
ausência de desejo dessa mãe, ele se relança, ele insiste em sobreviver,
enquanto um sujeito.
A escuta desse pequeno sujeito nos
permitiu, portanto, concluirmos pela estrutura neurótica. E além disso,
avançarmos para o tipo clínico que, no presente caso, nos aponta para a neurose
obsessiva. Interessante que Freud (1917) refere-se a ela como uma doença louca:
“(...) os impulsos, dos quais o paciente
se apercebe em si próprio, também podem causar uma impressão de puerilidade e
falta de sentido; via de regra, porém, têm um conteúdo da mais assustadora
categoria, tentando-o, por exemplo, a cometer graves crimes, de modo que não só
os rechaça como alheios a si, mas deles foge com horror e se resguarda de
executa-los recorrendo a proibições, renúncias e restrições em sua liberdade”.
Chegando ao diagnóstico abre-se a
investigação no sentido de quais são as possibilidades desse sujeito a serem
trabalhadas na análise. Segundo Freud (1917), existe uma coisa apenas que se
pode fazer:
“(...) realizar deslocamentos, trocas,
pode substituir uma idéia absurda por outra um pouco mais atenuada, em vez de
um cerimonial pode realizar um outro... a situação inteira termina em um grau
sempre crescente de indecisão, perda da energia e restrição da liberdade. Ao
mesmo tempo, o neurótico obsessivo inicia seus empreendimentos com uma
disposição de grande energia, freqüentemente é muito voluntarioso e, via de
regra, tem dotes intelectuais acima da média. Geralmente atingiu um nível de
desenvolvimento ético satisfatoriamente elevado; mostra-se superconsciencioso,
e tem uma correção fora do comum em seu comportamento”.
Nesse sentido, fundamental ao
analista é a tentativa de exploração da habilidade de ressignificar suas
experiências, tentando revê-las, ou seja, buscando deslocar seus sintomas para
formas menos incapacitantes à vida do sujeito. Pedro evidencia possuir tal
capacidade ao relançar seu desejo de manter-se na posição de sujeito, escapando
da alienação, que vêm lhe sendo imposta. Os rituais obsessivos correspondem às
fantasias, que podem, no entanto, ser abordadas através da interpretação.
Abre-se, com isso, a importância de
constante estudo, visando contribuir à caminhada do analisante...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CIRINO,
Oscar. Psicanálise e Psiquiatria com Crianças: Desenvolvimento ou Estrutura.
Belo Horizonte: Autêntica, 2001. 143p.
FERREIRA,
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